Ter ou não ter sócios? Devo seguir o projeto sozinho ou acompanhado?
Essa é uma questão que ronda a mente de todo empreendedor.
A sociedade é como um casamento. Há sempre o receio de errar, o receio de não dar certo, de que as relações se desgastem, de que existam conflitos insuperáveis.
O relacionamento entre sócios é desafiador pois a natureza humana é complexa, demandando de nós muito cuidado, planejamento e zelo.
E como em todo casamento, a fase de aproximação das partes (dos futuros sócios) é caracterizada por elevado grau de otimismo. Assim, se ambos visam à realização da “parceria”é porque a enxergam como vantajosa. Logo, acreditam que no futuro estarão melhores com a associação do que sem ela.
Nesse cenário, a maioria das pessoas, por sua natureza (excessivamente otimista) tende a pensar que acontecimentos ruins revelam menor probabilidade de acontecer com elas próprias do que com outros¹. E assim, perdem o a oportunidade de definir as regras e planejar a relação societária na sua origem.
Por isso, ao pensar em constituir uma sociedade, as partes devem escrever os pontos sobre os quais acordaram, criando regras, direitos e obrigações claras para o relacionamento e para a estrutura da sociedade firmada. Caso contrário, existirá uma séria de “zonas cinzentas”, nas quais não se sabe ao certo o que esperar e como agir.
Para ajudar você que precisa tomar a decisão de ter ou não sócios, sopesando vantagens e desvantagens, bem como os riscos envolvidos, resolvemos criar este guia. Apresentamos três contratos essenciais para regular a relação entre os sócios, de modo a minimizar o seu insucesso.
Por que devo ter sócio?
União de esforços
Uma das grandes vantagens da sociedade é a união de esforços em prol de um fim comum – pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha entre si dos resultados (Art. 981, do Código Civil).
O sucesso da jornada está na capacidade de atuar coletivamente em variadas frentes e funções. Todo ser humano tem as mesmas 24 horas e habilidades limitadas. Unir competências, esforços e interesses é potencializar a capacidade do negócio e ampliar o alcance.
Menor risco financeiro
Empreender é correr riscos. Logo, o lucro é a vitória da empresa sobre a incerteza. É o prêmio que recebe aquele que ousou empreender (MAMEDE, Gladston). Sendo assim, para constituir uma sociedade é preciso contribuir com capital. Assim, é o risco tomado por quem injetou capital que legitima a distribuição dos lucros. Logo, assim como as obrigações, numa sociedade, os riscos financeiros também são compartilhados, o que diminui o impacto de eventuais perdas.
Visões complementares
Ter um sócio permite trazer para o centro das tomadas de decisões visões de mundo, experiências e expectativas diferentes. Quanto maior o repertório, maior o número de soluções.
Robustez
Uma empresa com sócios alinhados, que conseguem dividir eficientemente as funções, ter um boa governança corporativa e processos internos bem definidos reforçam a imagem de robustez. Quanto mais sólido o negócio, maior a credibilidade. Logo, aumentam as chances de se fazer bons negócios. Afinal, a confiança é a mola propulsora da economia.
Com efeito, vimos acima que existem vantagens de se constituir uma sociedade. Por outro lado, existem também desvantagens. Muitas empresas fecham as portas por conflitos societários insuperáveis. São impasses que não encontram formas de solução, e um dos principais motivos é que os sócios não alinharam, de forma antecipada, as formas de superação dos conflitos.
Por isso, antes de ingressar nas soluções jurídicas, vamos entender o que são conflitos societários.
O que são conflitos societários?
Conflitos societários são todos os entraves que surgem entre as partes pela razão de serem sócios. Ou seja, são problemas derivados da relação. Tais dificuldades costumam ter origem em divergências de opiniões, objetivos, e, sobretudo, falta de alinhamento inicial de expectativas.
Os problemas surgem na “zona cinzenta”, onde não há transparência e não se sabe exatamente o que esperar (e cobrar) do outro.
Quais os principais conflitos societários?
Não integralização do capital conforme prometido
Ao constituírem uma sociedade os sócios, após levantamento, definem o valor necessário para financiar o início da operação. É o capital social: aquela quantia para adquirir os insumos, montar a estrutura, garantir o capital de giro. Assim, alguns já disponibilizam de uma só vez o montante.
Mas, muitos vão aportando dentro de um lapso temporal. Para isso, subscrevem o capital (prometem, no Contrato Social que ao longo de um determinado tempo – 12 meses, por exemplo – farão aportes até quitar o valor prometido). Nesse contexto, é comum existirem conflitos relacionados ao desembolso da quantia prometida, tais como numerário, prazo, etc.
Sócio que não performa conforme o esperado
Outra questão que tem o condão de gerar conflitos, é a mensuração de desempenho de cada sócio. É do ser humano achar que está se esforçando e contribuindo mais para o negócio do que o outro. Logo, se não existirem métricas, parâmetros e, sobretudo, definição prévia das funções e expectativas de cada um, de forma objetiva, avaliar a performance será impossível, o que abre espaços para subjetivismos e sobrecarga de trabalho em alguns.
Impasses nas deliberações sociais
A reunião ou a Assembleia de Sócios é o órgão máximo de deliberação da sociedade. A pessoa jurídica é um artifício jurídico, seu funcionamento pressupõe a vontade dos sócios, que devem se reunir para deliberar matérias específicas. É nesse ponto, que surgem grandes divergências. Se não houver definições prévias acerca do quórum, da frequência das reuniões e da consciência do princípio da deliberação majoritária – que quanto maior a sua participação societária, mais peso tem o seu voto – aumenta-se a probabilidade de conflitos.
Nesse ponto, vale dizer que melhores são as empresas que asseguram equidade aos sócios e transparência na gestão dos assuntos sociais. Afinal, há vantagens inequívocas na criação de um ambiente societário que garanta proteção aos sócios minoritários, com um arcabouço mínimo de regras de boa administração (MAMEDE, Gladston).
Retiradas de lucros de forma desorganizada e aleatória
Ponto crítico na relação societária diz respeito à distribuição de dividendos/lucros. É preciso definir de antemão com que frequência será realizada a distribuição, se ela pode ser feita de forma antecipada, se será proporcional (regra) ou desproporcional à participação societária (conforme previsão expressa em Contrato Social).
É muito comum que ao longo de uma sociedade, quando não há premissas para nortear, que os sócios façam retiradas aleatórias e desorganizadas, muitas vezes solapando, inclusive, o Capital Social da empresa, conduta que facilmente levará à derrocada.
Confusão Patrimonial: sócio que efetua pagamentos de despesas pessoais com o caixa da empresa.
A sociedade empresária é uma pessoa jurídica autônoma e independente. Logo, seu patrimônio não se confunde com o de seus sócios. Conflitos começam a surgir quando essa realidade se mistura e a empresa passa a pagar contas pessoais dos sócios – que nada tem a ver com a atividade da sociedade. É o cartão da empresa que paga a escola do filho, o almoço de família, o sofá novo da sala e por aí vai… Isso, além de colocar em xeque a sustentabilidade financeira do negócio, é pólvora para incendiar a relação.
Divórcio do sócio e partilha de bens
Processos de divórcio e disputas familiares são grandes fontes de problemas para a atividade da empresa e para o relacionamento dos sócios.
Surgem muitas controvérsias quando um dos sócios se divorcia, já que entre os bens a serem partilhados entre os cônjuges estão quotas da sociedade empresária. Nessa situação, há cônjuges que querem passar a compor a sociedade, como titulares de metade das quotas do outro, ou exigem de logo a liquidação e o pagamento de seus haveres. Essa situação, porém, deve estar previamente definida no contrato de sociedade, de modo a planejar o pagamento, e não ameaçar o caixa da empresa.
Entrada de filhos na sociedade
Outra situação comum é quando os filhos dos sócios crescem ou outros familiares querem fazer parte da sociedade. Se tal autorização ou proibição não estiver previamente definida, poderá gerar impasses e conflitos.
Instrumentos jurídicos para prevenir conflitos societários
A verdade é que a sociedade pode ser maravilhosa, mas também pode ser um pesadelo. Por isso, vamos mostrar quais as ferramentas jurídicas capazes de reduzir os riscos de conflitos societários. Senão vejamos:
Memorando de Pré Constituição (ou Memorando de Entendimentos – MOU)
É um contrato elaborado e firmado entre os pretensos sócios antes da constituição da sociedade.
É documento extremamente importante quando os parceiros ainda estão em fase de validação do projeto. Nessa hipótese, constituir a empresa – com registro de Contrato Social e obrigações tributárias principais e acessórias – pode tornar a iniciativa muito onerosa, uma vez que a atividade econômica não está, de fato, sendo realizada.
Ou seja, como custear as despesas de uma empresa constituída se não há ainda receita?
Assim, deve-se firmar o Memorando de Pré-Constituição para alinhar as bases negociais do projeto e a arquitetura que a sociedade adotará em momento posterior, no qual será constituída a empresa. Ou seja, é o primeiro passo antes da elaboração do Contrato Social.
É nesse documento que estarão especificadas as trocas de informações e os limites de cooperação mútua.
Em outras palavras, os futuros sócios irão definir matérias como: as funções de cada um, as metas, os princípios da futura sociedade, o dever de confidencialidade, os direitos referentes à propriedade intelectual que for produzida ao longo da validação do produto (softwares, marcas, patentes…), cláusulas de resolução de conflitos, gatilhos contratuais para a constituição da sociedade, etc.
Esse tipo de contrato é muito importante principalmente para startups que por terem um serviço/produto inovador passam um processo de validação antes de receberem investimentos.
Contrato Social (ato constitutivo)
O Contrato Social é a “certidão de nascimento” da sociedade empresária Limitada. É o ato constitutivo que define a sua infraestrutura legal. É um contrato em que os sócios se comprometem a buscar o objetivo comum. A partir de então, tornam-se titulares de direitos e obrigações perante este novo ente: a sociedade.
Nos termos do artigo 997 do Código Civil, o Contrato Social é escrito, particular ou público, e deve conter obrigatoriamente ( no mínimo ) as matérias dispostas no artigo: a) qualificação dos sócio; b) nome empresarial, objeto, sede e prazo da sociedade; c) capital social expresso em moeda corrente; d) a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la, e) a constituição de um Administrador; f) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas e g) se os sócios respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais.
Além disso, permite-se, à luz da autonomia privada, estabelecer as cláusulas necessárias ao funcionamento da sociedade, à realização de seu objeto e às relações internas.
Tais previsões estarão estampadas nas cláusulas facultativas que, apesar de não serem obrigatórias, são exatamente o que customiza o contrato de sociedade às necessidades da empresa específica. São por meio delas que criaremos as políticas de distribuição de dividendos, a obrigação de venda conjunta, a arbitragem obrigatória, as fórmulas para apuração de haveres, a dissolução parcial da sociedade, a exclusão de sócios, entre outras.
Acordo de Sócios
O Acordo de Sócios é um contrato entre sócios de uma mesma sociedade que tem como objetivo compor os interesses das partes envolvidas.
É um contrato “parassocial”, ou seja que está disposto “ao lado” da sociedade. Não é ato de constituição e nem deve ser obrigatoriamente publicado.
É um negócio jurídico regido pela autonomia da vontade, que obriga e vincula as partes signatárias e cujos objetos decorrem do direito de propriedade das ações ou das quotas (ROCHA, Eduardo. Acordo de Quotistas em Sociedades Limitadas).
Além disso, por meio deste instrumento particular regula-se questões estruturais e de funcionamento da sociedade.
Algumas matérias que são usualmente tratadas no Acordo de Sócios são: o exercício do poder de voto, regras de compra e venda de quotas sociais, direito de preferência, definição das funções dos sócios, não concorrência, vedação ao aliciamento.
O referido instrumento não está previsto no Código Civil, porém, sua aplicação às Sociedade Limitadas se dá por “empréstimo” da previsão do artigo 118 de Lei de Sociedades Anônimas (“Lei da S/A), a qual pode reger supletivamente as Limitadas, quando previsto no Contrato Social.
Conclusão
Os instrumento jurídicos citados acima são alguns mecanismos contratuais que os sócios devem lançar mão para resguardar e proteger a sociedade de conflitos insuperáveis.
Dessa forma, o que foi acordado previamente tem que ser cumprido. Sem “zonas turvas”, há a minimização do risco. Afinal, “o combinado não sai caro”.
Os contratos indicados são instrumento de segurança jurídica, mas, para além isso, representam manuais de instruções a serem seguidos pelos sócios.
Ao firmar os referidos contratos, os sócios devem ter a capacidade de ler, interiorizar e entender cada cláusula subscrita e sempre que ocorrer uma situação duvidosa, jamais esquecer de consultá-los.
É nesse sentido que o empreendedor pode ter a certeza de que o sistema jurídico tem as ferramentas necessárias para mitigar os riscos de conflito. Assim, o manejo dos instrumentos corretos por profissionais especializados que detenham conhecimento do direito societário garantirá a composição dos interesses, podendo imprimir maior eficiência à operação.
Assim, se você pretende integrar uma sociedade ou já faz parte de uma, preocupe-se com o planejamento societário e procure um advogado com expertise nesse assunto, para pavimentar um futuro de maior previsibilidade e estabilidade.
¹FORGIONI, Paula. Contratos Empresariais. São Paulo: 2019.