Com a propagação do coronavírus (COVID-19) no Brasil, houve mudanças de rotinas nas atividades laborativas de muitos setores produtivos. Isso porque as evidências científicas apontam que o distanciamento social é a melhor forma de conter a disseminação do vírus, já que ainda não foi desenvolvida vacina ou tratamento.
Com essa paralisação parcial ou total, os empresários estão em sérias dificuldades para administrar a diminuição ou mesmo a ausência completa de faturamento e o dever de adimplir suas obrigações legais.
Ciente dessa grande problemática, o Governo Federal editou a Medida Provisória de nº927, trazendo a flexibilização de alguns institutos do Direito do Trabalho, como por exemplo: banco de horas, teletrabalho e antecipação de férias. Contudo, dependendo da área de atuação da empresa, essas medidas não são suficientes para equacionar a questão. Em razão disso, na sequência, outra Medida Provisória foi editada, a de nº 936, trazendo a previsão da suspensão contratual e da redução de jornada e de salário.
O que é a suspensão do contrato de trabalho?
A suspensão contratual, em sua definição clássica no Direito do Trabalho, ocorre quando o empregado não presta o trabalho e, por conta disso, também não recebe remuneração. As hipóteses de sua pactuação são taxativamente fixadas em lei.
Contudo, o contexto atípico atual demanda uma reformulação de institutos consagrados com o fim de alcançar o delicado equilíbrio entre a preservação de postos de empregos e a proteção ao trabalhador. Com esse intento, a MP n. 936 propôs que a suspensão do contrato de trabalho fosse concretizada por simples ajuste individual entre empregado e empregador.
Contudo, levando em consideração as circunstâncias que estamos vivenciando, tentando equilibrar a preservação dos empregos e a proteção ao trabalhador, a MP nº 936 propôs a suspensão do contrato de trabalho, por meio de ajuste individual entre empregador e empregado.
A referida norma regulou que os trabalhadores que estão inseridos na faixa salarial de até R$3.135,00 reais ou mais de R$12.142,41 reais (e nesse caso, também sejam portadores de diploma de curso superior) possuem autonomia para firmar acordos individuais.
Por outro lado, fora dessas faixas salarias, somente poderá ocorrer por negociação coletiva. Ou seja, para os empregados que recebam mensalmente salário maior que R$3.135,00 e menor que R$12.142,41 (e nesse caso, também sejam portadores de diploma de curso superior), a suspensão deve ocorrer por acordo coletivo. Em qualquer caso, a suspensão poderá ocorrer por até 60 dias. Vejamos a seguinte tabela para melhor visualização:
Redução salarial e redução de jornada |
Tipo de acordo para redução de 25% |
Tipo de acordo para redução de 50% |
Tipo de acordo para redução de 70% |
Até R$ 3.135,00 |
Individual ou coletivo |
Individual ou coletivo |
Individual ou coletivo |
Salário entre R$ 3.135,00 e R$12.142,41 |
Individual ou coletivo |
coletivo |
coletivo |
Igual ou acima de R$ 12.212,42 com nível superior |
Individual ou coletivo |
Individual ou coletivo |
Individual ou coletivo |
Igual ou acima de R$ 12.212,42 sem nível superior |
Individual ou coletivo | coletivo |
coletivo |
Estabilidade
No caso de suspensão do contrato de trabalho, o empregado terá a consequente estabilidade no emprego por igual período. Portanto, em eventual despedida antes do termo final da estabilidade , o patrão pagará 100% dos salários do período a título de indenização.
Como fazer
A suspensão contratual pode ser pactuada por acordo individual ou coletivo e deverá ser firmado por escrito. Após celebrado, o patrão deve comunicar o Ministério da Economia e o Sindicato no prazo de dez dias a contar do ajuste.
Para as empresas com receita bruta inferior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019, a suspensão garante 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito se fosse despedido. Já as empresas com receita bruta superior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em 2019, concederão ao empregado o direito de receber 70% do valor do seguro-desemprego, mais 30% do valor do salário pago pelo empregador. A parcela paga pelo patrão terá natureza indenizatória e não servirá de base de cálculo para a Previdência, FGTS ou incidência tributária.
Redução salarial proporcional à jornada
A Medida provisória nº 936 também trouxe a possibilidade de redução salarial proporcional à jornada de trabalho. Essa redução pode ser de 25%, 50% ou 70%. Contudo, quanto menor o salário, menor o percentual de redução. Para melhor compreensão, vejamos um exemplo: o empregado que perceba um salário de R$1.045,00, com redução de 25%, ao final auferirá renda de R$992,75; Por outro lado, um empregado com salário de R$1.700,00 com redução de 25, 50 ou 70% perderá cerca de 5,5, 11 e 15% da sua renda; Salário de R$3.000,00, com redução de 25, 50 ou 70% perderá cerca de 10, 20 e 27%, respectivamente.
Hierarquia normativa em evidência
Celeuma jurídica surgiu com a edição da referida Medida Provisória, pois a Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso VI, prevê que a redução de salário só pode ser implementada mediante negociação coletiva, que é aquela realizada entre o sindicato e empregados ou entre sindicato patronal e sindicato dos empregados.
A MP nº 936, por outro lado, trouxe a permissão de redução de salário por meio de ajuste bilateral entre patrão e empregado. Destaca-se que na faixa salarial maior que R$ 3.135,00 e menor que R$12.212,42, que tenham redução de 50 ou 70 %, somente poderá ocorrer por meio de negociação coletiva. A exceção é se a redução for de até 25%, que pode ocorrer em qualquer faixa salarial sem intervenção dos sindicatos.
Havia muita insegurança jurídica em adotar a suspensão contratual ou a redução de salário nos moldes editado pela Medida Provisória, principalmente a redução salarial que confrontava o disposto no art.7º, VI da Constituição Federal. Apesar de serem medidas que poderiam ensejar posteriores discussões, adotá-las se fazia necessário para manutenção dos empregos e para a própria sobrevivência das empresas.
A suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada são medidas inconstitucionais?
Essa Medida Provisória teve sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF),na ADIN 6344. Por meio de uma decisão provisória e proferida de forma individual, o Ministro Ricardo Lewandowsk determinou que os acordos somente seriam válidos com a anuência dos sindicatos em qualquer faixa salarial. Além disso, o Ministro considerou que tanto a suspensão do contrato de trabalho, quanto a redução salarial, necessitavam de negociação coletiva.
Mais insegurança foi gerada com essa decisão. Houve grande discussão no meio jurídico e empresarial, pois vários acordos já haviam sido firmados. Afinal de contas, seriam válidos ou não? Depois, instado a esclarecer sua decisão, o Ministro Lewandowsk acrescentou que, de início, os pactos individuais eram válidos, mas se sobreviessem acordo ou convenção coletiva mais favorável ao trabalhador, estas iriam prevalecer. Além disso, impôs grande dificuldade prática, tendo em vista que muitos sindicatos não estão funcionando e que há categorias que sequer possuem representatividade sindical em determinada base territorial.
Outra onda de questionamentos foi levantada pelos empresários com essa decisão. Já firmei acordos, mas posso ter que arcar com outros ônus caso posteriormente haja acordo ou convenção coletiva? Esses acordos abrangem até mesmo quem não é sindicalizado? E as respostas eram: SIM e SIM.
E o impasse chegou ao fim…
Para encerrar o capítulo dessa história dramática para a classe empresária, o plenário do STF, reunido virtualmente, em razão da pandemia, decidiu, no dia 17 de abril, que diante das peculiaridades do momento, a regra constitucional prevista no art. 7º, VI, deveria ser flexibilizada, como forma de proteger os empregos e todo o sistema econômico.
A Constituição foi elaborada para ser interpretada em situações de normalidade, obviamente que situações excepcionais pedem medidas e interpretações diferentes, sob pena de trazer mais prejuízos do que benefícios. A ministra Carmem Lúcia ressaltou que no modelo capitalista é claro a necessidade de intervenção dos sindicatos, mas que no momento levaria a um maior desemprego.
Em sendo assim, dentro das faixas salariais e dentro dos percentuais citados acima, são válidos os acordos bilaterais entre patrão e empregado para suspensão do contrato de trabalho e redução salarial. Ressalve-se que o STF decidiu que não é necessário negociação coletiva em todos os casos, mas a comunicação aos sindicatos deve ser realizada dentro do prazo de dez dias, a contar da celebração do ajuste empresarial.
Assim, caso sua empresa já tenha realizado os acordos bilaterais por escrito, esteja dentro das faixas salarias e tenha procedido, dentro do prazo, a comunicação ao sindicato da categoria e ao Ministério da Economia, pode respirar aliviado e pensar nos próximos desafios, que são muitos, em razão da mudança forçada pelo COVID-19 nas relações negociais e mesmo humanas.