Há quem pense que o Contrato Social não passa de uma simples exigência. Basta dar um Google, baixar o modelo da internet, dividir o capital social meio a meio (50/50), reiterar todas as cláusulas padrão e obrigatórias e voilá. Tudo pronto!
Porém, tal pensamento não poderia estar mais equivocado. Ele reflete a falta de profissionalização do negócio, a crença no empirismo, ou a abominável prática do “empreendedorismo da esperança”, fatores responsáveis por reforçar os dados acerca da alta taxa de mortalidade das empresas recém-nascidas no Brasil.
Dados comprovam que a cada dez empresas criadas há cinco anos, apenas duas estão em funcionamento atualmente. Relatório elaborado pelo SEBRAE demonstra que tal mortandade está relacionada a falta de planejamento na abertura do negócio.
Por isso, não dê sorte ao azar. Não comece errado!
O Contrato Social definitivamente não pode ser a reiteração de um modelo. Ele é uma das peças mais importantes na hora de estruturar o seu negócio.
É nesse momento que é possível definir os quóruns específicos de deliberação, criar cláusulas de governança, pensar na melhor participação societária de modo a garantir o controle do negócio, prever exclusão de sócio por justa causa, proteger os direitos do minoritário, definir regras de retirada financeira e de reinvestimento, etc.
Assim, é evidente que o ato constitutivo da sociedade deve revelar as especificidades e peculiaridades da atividade negocial dos sócios.É um raio X da infraestrutura jurídica da empresa.
Logo, a utilização de contratos sociais genéricos e a repetição de modelos é um absurdo inominável. Tal conduta revela baixa tecnologia jurídica, amadorismo e põe em xeque o futuro do seu negócio.
Ao longo desse texto, vou te apresentar conteúdos que você precisa conhecer antes de celebrar o Contrato Social da sua empresa e que vão lhe convencer de que reiterar apenas um modelo nunca será a melhor opção.
Leia o artigo completo…
Mas o que é o Contrato Social?
O Contrato Social é a certidão de nascimento da empresa.
É nele que são estampadas as convenções que refletem as vontades dos sócios, os quais se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
É o documento que imprime reciprocidade, o que permite que cada parte exija da outra ou outras o cumprimento fiel do ajustado.
Assim, o Contrato Social é o ato constitutivo da Sociedade Limitada, por meio do qual, após o seu registro na Junta Comercial do estado, nasce um novo sujeito de direito, passando a sociedade a ter personalidade jurídica.
E o que é personalidade jurídica?
É, para o mundo do direito, aquilo que lhe caracteriza como pessoa. A partir daí você pode titularizar direitos e contrair obrigações. É o caso da sociedade empresária, como pessoa jurídica. É o seu caso como pessoa física.
A propósito, a celebração do referido contrato além de criar direitos e obrigações entre os sócios, cada um perante os outros, gera direitos e obrigações dos sócios para com a sociedade (“a empresa”).
Por exemplo, se um dos sócios subscreveu R$ 20.000,00 em quotas e prometeu integralizar em 30 dias, ele deve tal valor para a empresa que, passado tal prazo, tem o direito de considera-lo remisso (devedor), tomando as quotas subscritas ou cobrando os valores na justiça.
Portanto, o Contrato Social e as cláusulas eletivas – aquelas que não precisam obrigatoriamente constar no documento mas constituem diferencial competitivo e revelam alta qualidade de governança – têm um papel estratégico para a sustentabilidade do negócio.
Como é o contrato social?
O Contrato Social deve obrigatoriamente ser escrito, feito por instrumento público ou particular, que deve ostentar cláusulas essenciais previstas no artigo 997, do Código Civil e pode – e deve – prever cláusulas eletivas que materializarão – dentro do que a lei não proíbe – a vontade das partes.
Além disso, o visto de um advogado é condição de validade do registro do ato constitutivo das pessoas jurídicas, nos termos da Lei 8.906/94.
O Contrato Social e a inteligência jurídica
Como se viu, as indicações do capital social, expresso em moeda corrente e da quota referente à cada sócio são cláusulas obrigatórias do Contrato Social.
Assim, os sócios devem subscrever – informar – a quantidade de quotas proporcional à sua participação societária – o quanto possui da empresa, assumindo a obrigação de integralizar – pagar – o referido capital social.
Logo, se a empresa precisar de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para iniciar as atividades e um dos sócios possui 50% dela, deverá subscrever R$ 50.000,00 em quotas e pagar (ou dar em bens) efetivamente esse valor para a sociedade empresária, que investirá em maquinários, insumos, etc.
Note que a titular do crédito informado é a empresa e não os demais sócios, o que demonstra a existência de uma nova pessoa titular de direitos.
Na prática, tal formalidade importa ao empreendedor, inclusive, a título de gestão, uma vez que deve ter a clareza de que não pode jamais confundir o patrimônio pessoal com o patrimônio da empresa.
A empresa paga as contas da empresa. O sócio – com seu pró-labore ou divisão de lucros – paga as contas da vida particular.
Além disso, a definição da participação societária terá também função estratégica, uma vez que o Código Civil definiu quóruns para as tomadas de decisão da empresa.
Logo, a reunião ou a assembleia de sócios é o órgão máximo da sociedade, com poder para deliberar sobre todas as matérias, nos limites da lei e do contrato.
Decerto, são os sócios que, por votação, decidem os rumos que a sociedade empresária irá tomar.
Cada sócio vota com peso proporcional à sua participação no capital social. Assim, quem tem 30%, tem voto com peso 30 em 100. Quem tem 51% do capital social tem voto 51 em 100, ou seja, o seu voto, por si só caracteriza a maioria absoluta do capital social. Dessa maneira o poder de voto de cada um é proporcional à exposição ao risco empresarial que corresponde ao investimento feito no capital social (MAMEDE, Gladston).
Esses limites legais e contratuais envolvem matérias cuja aprovação podem ou não demandar quóruns qualificados, tais como:
a) unanimidade; b) ¾; c) 2/3; d) mais da metade do capital social (maioria absoluta); e) mais da maioria dos sócios presentes à assembleia ou reunião (maioria simples).
A título de exemplo, nos termos da legislação brasileira, você precisa da aprovação de 75% do capital social para decidir sobre questões de incorporação, fusão, dissolução da sociedade, modificação do contrato social e designação de administradores.
Dependem ainda da deliberação dos sócios (art. 1071, do CC/01): a) A aprovação das contas do administrador; b) a designação dos administradores, quando feita em ato separado; c) a destituição de administradores; d) o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; d) a modificação do contrato social; e) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade empresária; f) o pedido de recuperação de empresa (Lei. 11.101/05).
Dessa forma, tais informações devem ser levadas em consideração quando da divisão da participação societária e do convite para que outros sócios componham o negócio.
Logo, se você é o fundador da empresa, por exemplo, e pretende manter o total controle do negócio, sendo o principal responsável pelas decisões estratégicas, deve considerar a possibilidade de não ceder mais de 25% da participação para sócios investidores ou se o fizer, deve prever no Contrato Social cláusulas que definam a forma das deliberações, quóruns específicos e pesos diferenciados para os votos.
Pelo bem dos sócios
Vale dizer ainda que o bom relacionamento entre os sócios é um dos maiores ativos que precisamos manter numa empresa. Para que isso seja possível é necessário transparência, clareza e alinhamento das expectativas.
Costumamos dizer que os problemas surgem nas zonas cinzentas. Aquele espaço onde não há definição e as expectativas se confundem.
Sendo assim, o Contrato Social funciona também como manual de conduta entre os sócios e dos sócios para com a empresa.
Além disso, é possível elaborar um documento mais analítico e profundo acerca das expectativas das partes e das obrigações pactuadas, o Acordo de Sócios.
É possível que questões de extremo interesse dos sócios sejam definidas de forma objetiva, antecipando, inclusive, problemas e situações complexas que podem surgir ao longo da relação.
A propósito, destaque-se que para que esse documento parassocial (que “anda” ao lado da sociedade) tenha validade e vincule as partes, é necessário que no Contrato Social exista uma cláusula de aplicação suplementar da Lei de Sociedade Anônimas (Lei 6.40476).
Por fim…
É possível perceber que o Contrato Social é muito mais do que uma simples exigência. A estrutura dele deve ser pensada previamente pelos sócios e a minuta, em regra, sucede várias rodadas de negociações.
É só depois de entender as peculiaridades da atividade empresária, as expectativas e preocupações dos sócios que se deve elaborar o documento.
A redação do ato constitutivo é um largo espaço para materializar a vontade das partes, que permite ao jurista atuar com criatividade, exercício de antevisão e pensamento estratégico.
É o primeiro documento da sociedade empresária essencial para o planejamento jurídico. Ao respeitar o que a lei determina e evitar o que a lei proíbe surge uma grande janela para o exercício da autonomia privada.
E você, vai constituir uma empresa e ainda não desenvolveu o Contrato Social? Já desenvolveu, mas é apenas um modelo padrão que não revela a sua realidade?
Então convide um advogado para intermediar a relação e juntos pensem sobre a participação societária, sobre a administração do negócio, sobre o pró-labore, as cláusulas de governança e direitos de retirada…
Avalie o que fazer se você quiser exercer o seu direito de saída (exit), em quanto tempo será ressarcido pela empresa? E se a empresa no futuro for vendida? E se você for minoritário e o sócio majoritário sufocar os seus interesses com as decisões dele?
Se o seu sócio se divorciar? E se o ex-cônjuge quiser compor a empresa? E se ele quiser vender a parte dele para uma pessoa que você não aprova? E se vocês infelizmente brigarem?
Por essas e por outras situações é que o melhor caminho para o sucesso perpassa diretamente pelo planejamento. Pensar estrategicamente o seu negócio e antecipar ocorrências é certamente aumentar as chances de dar certo.