Pacta Sunt Servanda! O contrato deve ser cumprido! Ele faz lei entre as partes. Essa máxima se assenta no princípio da força obrigatória dos contratos, que é exatamente o valor jurídico da promessa e da confiança legítima.
Trata-se de um compromisso firmado à luz da liberdade econômica, considerando o contexto fático. Ou seja, naquele momento e cenário, os parceiros ponderaram e consideraram atraente o negócio.
Assim, expressaram livremente a sua vontade e criaram entre si legítima expectativa de que a obrigação seria cumprida.
Ocorre que, um evento grave e inesperado ocorreu, transformando completamente a realidade. E aquele negócio que seria exequível em “condições normais de pressão e temperatura”, pode ter se tornado excessivamente oneroso.
Nesse cenário, o direito, forjado ao longo da história da humanidade, traz instrumentos jurídicos para suavizar a força obrigatória dos contratos, os quais têm como fundamento basilar a alteração superveniente das circunstâncias contratuais.
Vale lembrar que a regra não é a revisão das obrigações contratuais. A regra é que o contrato seja cumprido!
Por isso, é falacioso pensar que a ocorrência da pandemia, por si só, torna todo e qualquer contrato isento de cumprimento. Não há perdão genérico.
Nesse caso, a partir do momento em que a empresa identifica a impossibilidade de execução da obrigação, deve imediatamente avaliar os riscos envolvidos para a tomada de decisão.
Deve-se avaliar se, a luz da teoria da imprevisão (art.317, do CC/02), é possível revisar o contrato, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.
Ou se, na hipótese, de inexistir possibilidade de cumprimento da obrigação, há elementos para invocar excludentes de responsabilidade, quais sejam, caso fortuito e força maior (art. 393, do CC/03).
Na primeira hipótese, o judiciário exerceria a revisão das obrigações para reequilibrá-la, considerando o novo contexto.
Na segunda, o resultado seria a exoneração da responsabilidade por descumprimento contratual. Ou seja, o devedor não responderia por eventuais multas, encargos moratórios e indenizações materiais.
De todo modo, como se verá adiante, o melhor caminho é a renegociação dos contratos de forma extrajudicial.
As relações comerciais são extremamente afetadas, umas vez que se trata de uma cadeia de fornecimento. Se um dos agentes dessa relação em teia é afetado, todos os outros o são.
É um verdadeiro efeito dominó, em que todos da cadeia produtiva sofrem as consequências.
O medo gerado pela incerteza reprime a circulação de dinheiro e desestimula os agentes a cumprirem suas obrigações.
A propósito, a situação atual evidencia uma característica elementar da sociedade moderna: tudo está interligado. O mercado é uma rede intricada de relações comercias.
Assim, as medidas de quarentena absoluta, suspensão ou restrição de atividades públicas e privadas, realocação de fábricas para produção de insumos “essenciais” na prevenção do vírus, escassez de matéria prima e fechamento de fronteiras em diversos cantos do mundo geram disrupções na cadeia de suprimento em uma escala inédita.
E toda essa conjuntura se traduz em obstáculos no cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas.
A análise de eventual inexecução contratual – absoluta ou relativa – deve ser realizada casuísticamente. É provável que, se demonstrada objetivamente a impossibilidade de cumprimento por caso fortuito e de força maior (a pandemia), em demanda judicial futura, seja excluída a responsabilidade do devedor – de reparar o dano. Todavia, submeter tal análise ao judiciário aumenta a incerteza e o risco encapado pela decisão. Por tal razão, consideramos que a medida adequada perpassa pela composição entre os envolvidos, os quais poderão compartilhar os riscos e mitigar as incertezas, que já são muitas neste cenário.
Por conta da pandemia, a empresa pode deixar de cumprir contratos?
É evidente que a resposta adequada a essa questão depende da análise do caso concreto. É necessário averiguar a natureza do contrato, a natureza da obrigação não cumprida, o que foi pactuado entre as partes para reger uma eventual situação de descumprimento em razão de um fato imprevisível e inevitável, o grau do impacto sofrido pelos contratantes, entre outras circunstâncias. No entanto, de modo geral, seguindo a lógica dos tribunais brasileiros aplicada durante o surto do H1N1, a pandemia pode ser tratada como um evento de caso fortuito ou força maior e, por isso, justificar o descumprimento de um contrato com base na excludente de responsabilidade do artigo 393 do Código Civil. Nesse caso, deve estar bem identificado três pontos:
- Que o fato era impossível de evitar ou impedir;
- Que sua ocorrência não é atribuível a nenhuma das partes contratantes;
- Nexo entre o evento e o descumprimento sem culpa das partes
A pandemia pode justificar a revisão ou o encerramento de um contrato?
Sim. Da mesma maneira que acima explicado, há que se ater ao caso concreto. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a “teoria da imprevisão”, em caso de onerosidade excessiva. Assim, diante de acontecimentos imprevisíveis e extraordinários, que tornem a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes, é admitida a revisão e, até mesmo, a extinção do acordo (arts. 478 e 479, Código Civil).
Como a repercussão dos efeitos da COVID-19 é geral, TODAS as prestações
contratuais estão suspensas? A simples existência da pandemia libera o
compromisso de cumprir todo e qualquer contrato?
Não. Não é possível afirmar, de maneira genérica, que a exigibilidade das prestações contratuais está suspensa. Há obrigações que permanecem exigíveis, em razão da ausência de influência efetiva tanto da crise sanitária como das medidas adotadas pelas autoridades na possibilidade de cumprimento da prestação pactuada no contrato específico. O impedimento do adimplemento é medido não pela gravidade e grandiosidade do evento em si, mas pela repercussão concreta deste na esfera particular de cada devedor. Alertamos, inclusive, que, ao menos nesta fase, grande parte das obrigações permanecem exigíveis, devendo ser honradas pelos contratantes.