A legislação trabalhista no Brasil é um campo vasto e muitas vezes complexo. Devido à amplitude e complexidade inerentes ao campo do Direito do Trabalho, é inevitável a presença de determinadas “lacunas jurídicas”, uma característica não exclusiva desta área, mas comum a todas as vertentes do Direito.
A diversidade de normativas que compõem o Direito do Trabalho frequentemente resulta em um fenômeno comparável ao de um “cobertor curto”: ao tentar-se abordar uma questão, outra fica desprotegida.
Em razão disso, é comum que empregadores e empregados tenham dúvidas sobre os direitos e deveres em situações incomuns a um determinado ramo, como alocar um empregado em uma viagem a trabalho. Neste artigo, vamos esclarecer quais são as verbas trabalhistas devidas ao empregado em viagem, visando uma compreensão clara e prática sobre o tema.
Despesas de viagem: modalidades de reembolso
Primeiramente, é importante entender que o empregado tem direito ao reembolso das despesas realizadas na viagem, já que esta se deu pela determinação do empregador.
É possível adotar, basicamente, três modalidades de reembolso ao empregador: diárias, adiantamento de despesas e reembolso.
Diárias de Viagem
São valores pagos ao empregado para cobrir despesas essenciais como alimentação, transporte e alojamento. O valor é estabelecido de antemão pela empresa, por exemplo, após estabelecer alguma política de diárias, e dispensam comprovação posterior
Adiantamento de Despesas
Neste caso, o empregador antecipa um valor estimado para as despesas da viagem. Aqui, a comprovação dos gastos não é necessária, mas é fundamental um planejamento adequado para evitar desentendimentos.
Reembolso de Despesas
O empregado paga as despesas e, após a viagem, é reembolsado pelo empregador. É recomendável que a empresa tenha uma política clara de reembolso, definindo quais despesas são passíveis de reembolso e que tipo de comprovante é aceito.
Tempo de Viagem = Hora Extra?
Uma questão complexa em viagens a trabalho é acerca do tempo que o trabalhador passou se deslocando. Muitas vezes o tempo de viagem poderá durar várias horas, e ultrapassar o período da jornada de trabalho prevista em contrato para o empregado. Nesse caso, deve-se pagar estas horas como hora extra?
O tempo de deslocamento do empregado durante viagem a trabalho não se confunde com as chamadas horas “in itinere“, aquelas do deslocamento diário ao local de trabalho, que não são consideradas tempo de serviço.
Quanto ao tempo de deslocamento em viagem, os tribunais brasileiros possuem entendimento divergente acerca das horas dispendidas neste caso, desse modo, somente o disposto em contrato de trabalho e o caso concreto poderão ser aliados para a solução da divergência.
Em tese, conforme o art. 4º da CLT, é considerado serviço efetivo o tempo que o empregado passa a disposição do empregador, portanto, seria seguro afirmar que o tempo do deslocamento do empregado em viagem é considerado como hora de trabalho e, caso ultrapasse o período da jornada regular prevista em contrato, é devido o pagamento de horas extras.
Imaginemos o seguinte cenário: empregado é contratado para trabalhar das 8:00h às 17:00h, de segunda a sexta-feira, com direito a 1h de intervalo, e foi convocado para uma viagem a trabalho para visitar um cliente em outra cidade. O roteiro da viagem se dará da seguinte forma: ele irá partir às 16:00h de uma quinta-feira, chegando ao destino às 18:00h. Após, irá se reunir com o cliente às 21:00h e encerrará os trabalhos às 22:00h.
Todo o período que ultrapassa a jornada normal de trabalho, ou seja, 1h de deslocamento e 1h em reunião com o cliente é considerado serviço extraordinário, portanto, devido o pagamento de horas extras. Isto se dá, pois, a Justiça do Trabalho entende que neste período ele estava à disposição e sob ordens do empregador, portanto, computando como trabalho efetivo.
Vale lembrar que isso não é válido para o empregado que exerça cargo de confiança, pois não é submetido ao controle de jornada e, portanto, não há o que se falar em horas extras.
É necessário especial cautela quanto a necessidade de respeitar o intervalo interjornada mínimo de 11 (onze) horas, conforme a CLT, além do descanso semanal remunerado. Caso o translado, ou a viagem em si, se dê durante o período entre jornadas ou durante o descanso do empregado, é necessário que o empregador faça o devido ajuste de horas para aproveitamento do descanso do empregado.
Alternativa de compensação: O Banco de Horas
Cabe destacar uma alternativa que o empregador pode adotar para evitar a incidência do pagamento de horas extras em situações de viagem a trabalho: o banco de horas. Trata-se de um mecanismo previsto na legislação para compensar horas trabalhadas além da jornada normal. No contexto de viagens a trabalho, as horas que excedem a jornada regular do empregado podem ser acumuladas no banco de horas e compensadas posteriormente, através de folgas ou redução de jornada em outros dias.
Essa prática, desde que formalmente acordada entre empregador e empregado e respeitando os limites legais, pode ser uma solução eficaz para administrar as horas extras geradas em situações de deslocamento prolongado, sem a necessidade de pagamento adicional, mas garantindo que o empregado receba o devido descanso compensatório em outro momento.
Horas sem trabalho durante a viagem: incide algum adicional?
Outra dúvida que paira sobre as viagens a trabalho diz respeito às horas que o trabalhador passa sem trabalho durante a viagem. Elas são consideradas horas de serviço? Seriam elas consideradas horas de sobreaviso?
De plano, afirma-se que as horas dispendidas durante a viagem sem o trabalhador estar cumprindo ordens ou à disposição não configuram hora de trabalho, portanto, não sendo devidos quaisquer adicionais (com exceção do reembolso cabível pelas despesas, tratado no primeiro tópico).
Isso se dá porque, nesse caso, o trabalhador está desfrutando do seu intervalo entre as jornadas e/ou do seu descanso semanal remunerado, com a única diferença deste ser fora de sua cidade. Não há no Direito do Trabalho norma que estabeleça o local onde este intervalo/descanso deverá ocorrer, não havendo o entendimento de que o usufruto destes em local diverso da residência do empregado configure tempo à disposição da empresa.
De igual modo, a menos que haja estipulação contratual em contrário, o empregado sem trabalho em viagem não está em sobreaviso. No caso deste instituto, o trabalhador está em descanso, aguardando chamado, não efetivamente cumprindo ordens do empregador, mas sempre alerta acerca de ordens a serem demandadas pelo empregador. Não é o caso do período em que o empregado está em total repouso durante a viagem, vez que não está na iminência de ser demandado.
Logo, as horas passadas pelo empregado sem trabalho durante viagens a serviço não são computadas como horas de trabalho ou de sobreaviso, exceto em situações específicas previstas em contrato. Nesse contexto, o local onde o descanso ocorre, seja ele na cidade de residência do empregado ou fora dela durante uma viagem, não altera essa caracterização.
Destaca-se a importância de uma clara comunicação e entendimento das políticas de viagens e condições de trabalho entre empregador e empregado para evitar mal-entendidos e assegurar que ambos cumpram com suas obrigações e direitos previstos na legislação trabalhista.
Diante da importância da análise das particularidades de cada caso, torna-se evidente a importância de uma assessoria jurídica especializada em Direito do Trabalho. Em situações de divergências relacionadas a viagens de trabalho, a intervenção de um escritório de advocacia qualificado é fundamental para uma análise detalhada e personalizada do caso, assegurando a defesa efetiva dos direitos e interesses envolvidos. A escolha de um escritório com experiência e conhecimento especializado no campo pode ser decisiva para o desfecho positivo e eficiente dessas questões.