Você é sócio de uma empresa ou administrador? Sabe quais são as funções, direitos e deveres de cada um desses agentes? Se é administrador, já prestou contas da sua gestão? Sabe o procedimento e como vai realizá-lo em tempos de isolamento social?
Se você respondeu sim à primeira pergunta e não para pelo menos uma das demais, então, esse texto é pra você.
A prestação de contas e a exoneração de responsabilidade do administrador
A empresa – ou tecnicamente, a sociedade empresária – é representada pelo administrador. Aquela pessoa física nomeada no Contrato Social ou em ato separado, responsável por gerir os bens da sociedade e representar a vontade social perante terceiros. Logo, é ela que conduz o dia a dia do negócio, assina documentos e convoca as reuniões. Pode ser sócio ou não.
O administrador deve atuar nos limites de suas prerrogativas e dos poderes concedidos pelos sócios no ato constitutivo. Assim, o administrador fala e atua em nome da sociedade, contraindo obrigações e firmando relações jurídicas para esta.
Nesse contexto, é direito e dever dos sócios analisar as contas do (s) administrador (es), aprovando-as ou não pelo menos uma vez por ano (art. 1.078, da Lei 10. 406/2002).
Esse direito/dever não pode ser renunciado, pois é considerado matéria de ordem pública, que envolve interesses de credores ou terceiros que pretendem contratar com a sociedade. 1
Logo, para qualquer sociedade – seja anônima (“S.A”) ou limitada (“LTDA”), “grande” ou “pequena” – é obrigatória a análise das contas.
Com efeito, o administrador, tem muito mais do que o dever de apresentar as contas aos sócios, ele tem o direito de exigir que estas contas sejam analisadas formalmente por aqueles e que a aprovação (ou não aprovação) seja consignada em ata.
Ora, a aprovação de contas de uma sociedade tem como principal efeito a exoneração da responsabilidade dos membros da administração em relação à gestão praticada no exercício social anterior (Lei 10.406/2002, parágrafo 3º, art. 1.078 “Código Civil”).
Logo, ao apresentar as contas (balanço patrimonial e demonstrativo de resultado econômico) e estas serem aprovadas, sem reserva, pelos sócios, estes corroboram com a conduta do administrador e, salvo demonstração superveniente de vício de vontade, expressam a anuência às medidas tomadas e aos números apresentados.
Nesse sentido, se você é administrador ou membro da administração de uma sociedade empresária deve ser de seu maior interesse a análise e a aprovação das suas contas.
A propósito, a tomada de contas deve acontecer em Assembleia Ordinária de Sócios (para sociedades limitadas com mais de 10 sócios) ou em Reunião Ordinária de Sócios, convocada pelo administrador. O conclave deve ser realizado nos 4 (quatro) meses seguintes ao término do exercício social (que normalmente ocorre em 31 de dezembro).
Assim, para as empresas que o exercício finde em 31 de dezembro (verifique seu Contrato Social) a Reunião ou a AGO deve ocorrer impreterivelmente até 30 de abril.
Assim, estamos exatamente no período de realização de Assembleias Ordinárias e Reuniões de Sócios anuais, todavia, foi decretado estado de calamidade pública por conta da pandemia do novo coronavírus (e isso não é nenhuma novidade!).
Para o enfrentamento da doença, a Organização Mundial da Saúde (“OMS”) e demais autoridades públicas recomendaram o distanciamento pessoal, com o isolamento dos indivíduos em suas casas.
Mas as empresas são justamente, por natureza, aglomerados humanos e as reuniões deliberativas ensejariam o encontro físico de pessoas, o que é desaconselhável para o momento.
Medida Provisória 931 (“MP”)
Prorrogação do prazo para realização anual de Assembleias Gerais Ordinárias e de Reunião de Sócios
Assim, o governo federal publicou no dia 30 de março de 2020, a Medida Provisória nº 931 (“MP”) que dispõe sobre a prorrogação de prazos para a realização de Assembleia Geral Ordinária (ou Reunião de Sócios) de sociedades anônimas e sociedades limitadas (bem como cooperativas), cujo exercício social se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020.
Desta feita, excepcionalmente e em caráter temporário (para tempos de novo coronavirus), o prazo acima referido passa a ser de 7 (sete) meses, contados do término do exercício social. Logo, se o exercício social da sua empresa se encerrou em 31 de dezembro, o administrador poderá convocar a Reunião (ou AGO) até 31 de julho de 2020.
Nos termos dessa Medida Provisória, se houver qualquer disposição contratual que exija a realização da assembleia ou reunião em prazo inferior ao supracitado, será considerada sem efeito no exercício 2020.
Além disso, se no intervalo houver a cessação do prazo do mandato de administradores ou de membros do Conselho de Administração e Conselhos Fiscais, este será prorrogado até a realização da reunião ou AGO, no prazo de 7 meses após o fim do exercício social.
Reuniões virtuais e voto à distância
Note-se que a Medida Provisória postergou o prazo para a realização dos conclaves, porém, não proibiu que eles aconteçam neste interregno. Dessa forma, alterou o texto do Código Civil, inserindo novo artigo, para prever a possibilidade de realização de assembleias e reuniões virtuais (conclaves). Vejamos:
“Art. 1.080-A. O sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” (NR).
Sendo assim, as reuniões deliberativas podem ser realizadas virtualmente e os sócios poderão votar à distância. O formato e a regulamentação do procedimento em concreto será objeto de manifestação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
A propósito, o Diretor do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração já apresentou à Consulta Pública (nº 02/2020) minuta (esboço, proposta) da Instrução Normativa que pretende regulamentar a participação e a votação à distância. Neste documento, entre outras coisas, dispõe que:
As reuniões ou assembleias semipresenciais ou virtuais deverão obedecer às normas atinentes ao Registro Público de Empresas quanto à convocação, instalação e deliberação, conforme a legislação do respectivo tipo societário.
O instrumento de convocação deve informar, em destaque, que o conclave será́ semipresencial ou virtual, conforme o caso, detalhando como os acionistas, sócios ou associados podem participar e votar a distância
Os documentos e informações que devem ser disponibilizados previamente à realização da reunião ou assembleia semipresencial ou virtual podem ser postos à disposição por meio virtual; contudo, deve ser possível atestar a comprovação do envio e do respectivo recebimento pelos acionistas, sócios ou associados
Suspensão dos prazos para arquivamento de atos na Junta Comercial
Além disso, a Medida Provisória nº 931 também dispôs que enquanto durarem as medidas de isolamento social e as Juntas Comerciais não estiverem em pleno funcionamento, o prazo de 30 dias para arquivamento dos documentos na Junta Comercial só passará a correr a partir da retomada plena das atividades.
Ou seja, para todos os documentos assinados a partir do dia 16 de fevereiro de 2020, que necessitem de arquivamento no Registro Mercantil (Junta Comercial), o prazo de 30 dias, só começará a contar quando estiverem suspensas as medidas restritivas de funcionamento do órgão (\Art. 6º, Medida Provisória 931, “MP”).
Conclusão
Se você é administrador, sócio ou terceiro interessado nas atividades de uma empresa, saiba que a aprovação de contas é obrigação legal de todas as sociedades empresárias. Seja sociedade anônima, limitada, Eireli.
Essa deliberação deve ocorrer em Assembleia Ordinária Geral ou Reunião Ordinária de Sócios, com a lavratura da ata e posterior arquivamento na Junta Comercial.
As micro e pequenas empresas (“ME e EPP”) são dispensadas de realizar a reunião e de registrar as atas, nos termos do artigo 70, da Lei Complementar 123/2006 (“LC”).
Entretanto, mesmo para ME e EPP, recomendamos que, como prática salutar de governança, o administrador convoque a reunião anual e lavre a ata, com o posterior registro na Junta Comercial, de modo a receber a exoneração de sua responsabilidade perante os sócios e ratificação da gestão adotada.
No cenário atual, considerando a prorrogação dos prazos, os conclaves que antes deveriam ser realizados até 30 de abril, poderão acontecer até 31 de julho de 2020.
Para aquelas sociedades que já estejam com os relatórios e os documentos contábeis preparados, a recomendação é de que se valham da tecnologia e da autorização trazida pela Medida Provisória para que os sócios se reúnam virtualmente.
É importante ficar atento à Instrução Normativa que deverá ser publicada em breve pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, garantindo a regularidade do procedimento e a higidez da deliberação.