28 nov 2019

A Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, a chamada lei de liberdade econômica, tem por objetivo instituir garantias de livre mercado, trazendo mudanças relevantes na rotina de todo empresário, independente do seu porte econômico.

Há quem diga que  a MP 881/19, que deu origem à lei, implementaria uma minirreforma Trabalhista. Porém, o saneamento ocorrido na Câmara dos Deputados e no Senado aponta para mudanças um pouco mais tímidas que revelam apenas uma equalização da norma à realidade.

De todo modo, são alterações que terão impactos na sua rotina corporativa, por isso, você precisa conhecer.

O normativo trouxe por princípios a boa-fé do particular perante o poder público e a diminuição da intervenção do Estado no exercício de atividades econômicas. Para o empresariado, isso significa que as relações entre Estado e empresário serão modernizadas e simplificadas, com o intuito de favorecer um melhor desempenho das atividades econômicas.

Para ter acesso ao texto completo da lei, basta clicar aqui.

O Brasil vem enfrentando a grande problemática do desemprego, que atinge 11,8% da população, segundos dados do IBGE, e a estagnação da economia. Considerando que 52,2% (segundo análise do SEBRAE) dos empregos no Brasil são gerados por micro e pequenas empresas no setor de serviços, pode-se atribuir parcela dessa taxa de desemprego às dificuldades burocráticas no desenvolvimento das atividades econômicas.

Maior formalidade acaba gerando maiores despesas e isso pode significar o naufrágio de um negócio promissor, que fica prejudicado quando a economia se apresenta desaquecida, como ocorre atualmente. Portanto, as inovações legislativas buscam amenizar esses problemas.

A edição da lei nº 13.874 faz parte de um esforço dos Poderes Executivo e Legislativo, para permitir condições favoráveis ao crescimento e desenvolvimento econômico do país. A inovação legislativa traz de forma implícita, a filosofia liberalista, que prega a diminuição da presença do Estado, permitindo maior liberdade aos particulares para exercerem atividades que tragam crescimento à economia.

E o que isso influencia na gestão das relações trabalhistas no âmbito das empresas?

A nova lei trouxe algumas disposições que impactam diretamente nas relações de trabalho.

Saiba como:

 

 Criação da Carteira de Trabalho Digital

A primeira delas é a modernização da emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que será expedida pelo Ministério da Economia, preferencialmente em meio eletrônico.

Assim, somente de forma excepcional será emitida a CTPS em meio físico.  Essa medida acaba com a problemática do empregado não apresentar a CTPS para dar baixa ou fazer anotações. Por outro lado, também sana a questão da retenção indevida da CTPS por parte do empregador, já que passa a ser em meio digital.

Além dessa alteração legal, o empregador terá o prazo de 5 dias úteis, a contar da contratação, para fazer as devidas anotações nas CTPS dos seus empregados. Nesse ponto, o prazo, que anteriormente era de apenas 48h, passou a ser de 5 dias úteis. Destaque-se que, feitas as anotações na CTPS, no prazo acima exposto, o empregador é obrigado a conceder ao trabalhador acesso a essas anotações, no prazo de 48 horas.

 

 O Registro de ponto passa a ser obrigatório apenas para empresas com mais de 20 funcionários.

O registro de ponto tem por finalidade controlar a jornada de trabalho dos empregados, em benefício da organização empresarial, mas também atua como forma de garantir direitos trabalhistas relativos à duração do trabalho.

Antes, o registro era obrigatório para as empresas que tivessem a partir de 10 funcionários. Agora, esse registro é necessário somente para empresas com mais de 20 funcionários, devendo constar a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico. Atualmente, também é permitida a pré-assinalação do período de repouso intrajornada.

 Permissão do registro de ponto por exceção

Além disso, a legislação trouxe um novo permissivo que é o registro de ponto por exceção. Ou seja, é possibilitado ao empregador anotar somente as horas que fogem da jornada normal de trabalho do empregado, podendo esse registro ser estabelecido por acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Antes da entrada em vigor dessa previsão legal, algumas empresas já faziam uso dessa modalidade de controle de jornada, porém, como não era regulamentada, havia certa insegurança jurídica em sua utilização, sendo por vezes invalidadas pela Justiça do Trabalho.

Em sendo assim, as empresas com um número menor de empregados terão maior facilidade para computar a jornada de trabalho.

No entanto, deve-se destacar que é importante manter registro das jornadas de trabalho, ainda que por exceção, como forma de manter controles internos que são essenciais para um gerenciamento da atividade empresarial, evitando-se, inclusive, a criação de passivos trabalhistas ocultos.

Importa destacar que caso seja necessário adimplir as obrigações advindas de passivo trabalhista (e a empresa não possua uma correta estruturação societária e boa organização empresarial) é possível, inclusive, que o patrimônio pessoal dos sócios seja atingido, pelo instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

A propósito, por ser evento corriqueiro na Justiça do Trabalho com linhas ainda muito tênues quando à configuração dos requisitos e cabimentos, a Lei de Liberdade Econômica trouxe modificação no Código Civil no que toca à desconsideração da personalidade jurídica, com reflexos trabalhistas.

 Requisitos e definições para a desconsideração da personalidade jurídica.

A desconsideração da pessoa jurídica, de forma simples, é o instituto que permite, em eventual ação judicial, afastar a personalidade jurídica da empresa e atingir diretamente o patrimônio do sócio para adimplir certas obrigações que seriam originalmente da sociedade empresária.

É a desconsideração de um dos principais benefícios da constituição de uma sociedade: a limitação da responsabilidade dos sócios.

Sabe-se que o empreendedor constitui pessoa jurídica justamente para formar um capital destinado à sua atividade, a fim de proteger seu patrimônio pessoal, e diferenciá-lo daquele integralizado à “empresa”.

A autonomia jurídico-existências da pessoa jurídica em face de seus sócios é premissa básica do sistema, justificada por ser instrumento de alocação e segregação de riscos. Tal segmentação tem o fim de estimular empreendimento, gerar empregos, tributo, renda e inovação, exatamente nos termos do artigo 49-A inserido no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica.

A propósito, a nova legislação trouxe alterações nos requisitos para que a execução seja direcionada ao patrimônio dos sócios, além de definir os termos “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”.

A nova lei trouxe de forma expressa a hipótese de confusão patrimonial e de desvio de finalidade supramencionados.

O artigo 50, do Código Civil passou a dispor o seguinte:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Note-se que o legislador fez incidir a expressão: “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Tal modificação se dá para tornar cristalino que o instrumento de imputação de responsabilidade não pode recair sobre sócio que não tenha experimentado nenhum benefício em decorrência do ato ilícito perpetrado.

Nesse sentido, o artigo 50 § 1º, CC/02 passou a dispor que “desvio de finalidade” é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.

Com efeito, foi além o legislador e conceituou também confusão patrimonial, a fim de mitigar a interpretação ampliativa e desforme dos dispositivos pelos tribunais, vejamos:

2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor  proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Essa alteração traz reflexos também no âmbito do direito do trabalho, já que confere uma maior proteção patrimonial à pessoa jurídica, que for eventualmente, demandada na Justiça do Trabalho, pois ao definir o que seria confusão patrimonial, o legislador trouxe maior segurança jurídica aos sócios.

Por fim, destaca-se que a mera existência de grupo econômico, sem a presença dos requisitos previstos em lei, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Esse era um ponto muito sensível para vários empreendedores. Havia divergências em quando e como se configurava grupos econômicos e em quais situações uma empresa que fazia parte do grupo poderia responder pelo passivo trabalhista da outra.

Desse modo, para que o grupo econômico tenha sua personalidade jurídica desconsiderada é preciso que incorra em desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Destaca-se ainda que a mera expansão ou mudança de finalidade da atividade original não será mais considerado desvio de finalidade.

Conclusão

Diante do nosso contexto legal, observa-se que com essas modificações, o empreendedor terá maior proteção ao seu patrimônio pessoal (desde que tenha uma estruturação regular), quando demandado na Justiça do Trabalho.

Outrossim, as mudanças implementadas pela nova legislação pretendem impulsionar o desenvolvimento econômico dos particulares. Visa facilitar, modificar e simplificar certas medidas burocráticas que prejudicam o desenvolvimento das atividades rotineiras.

A lei de liberdade econômica, por si só, não será capaz de sanar a problemática do desemprego e do baixo crescimento econômico de nosso país, mas traz mudanças significativas e importantes, que juntamente com outras medidas, como a necessária reforma administrativa e tributária podem fomentar um maior desenvolvimento do mercado.