Diante da Portaria n. 188, de 03 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus(COVID-19).
Em seguida, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia de COVID-19.
Dias depois, em 18 de março de 2020, o Brasil decretou o estado de calamidade frente à nova doença, o que autorizou a edição de várias medidas atípicas direcionadas ao combate da crise sanitária mundial.
Daí em diante várias regulamentações foram publicadas para lidar com o surto de COVID-19 no território brasileiro. A Medida Provisória n. 927 (MP 927/2020) foi apresentada pelo Governo Federal em 22 de março de 2020, incidindo sob condições trabalhistas com vistas a atenuar o impacto econômico, que é indissociável da crise de saúde pública.
Tal efeito na economia é consequência direta do isolamento social, estratégia recomendada pela OMS e conduzida pelas nações afetadas para controlar as relações interpessoais e assim conter o fluxo de contaminação do vírus. Embora cada localidade adote providências próprias levando em consideração as peculiaridades de cada área contaminada, em geral, as atividades comerciais foram suspensas. No entanto, as normas estabelecem algumas dispensas de atividades e serviços declarados essenciais durante a emergência.
Os Decretos Estaduais: o Maranhão restringiu o comércio local?
O estado do Maranhão acompanha a dinâmica global e harmoniza as recomendações, estudos e pesquisas acerca da pandemia ao cenário regional. Em 21/03/2020, publicou o Decreto n. 35.677 que estabeleceu medidas restritivas ao comércio pelo prazo de 15 dias, o que foi prorrogado em várias oportunidades, inclusive estabelecendo providências mais duras com a edição da última normativa (Decreto n. 35.784), que determinou o lockdown (bloqueio total) na Ilha do Maranhão.
Sem prejuízo das providências preventivas e restritivas anunciadas, os Decretos expedidos garantem a continuidade de certas atividades consideradas essenciais, permitindo a circulação de trabalhadores e servidores públicos que sejam indispensáveis para o funcionamento das atividades autorizadas.
Isolamento social, lockdown, atividades essenciais: o que acontece com o trabalhador que se vê na obrigação de seguir com suas atividades laborais?
Na teoria, não resta dúvida que os trabalhadores que estão autorizados a circular por exercer atividade essencial estão mais sujeitos ao contágio do novo coronavírus. No entanto, não se pode descartar que no atual estágio da pandemia a contaminação pode se dar em qualquer ambiente.
Afinal, é possível caracterizar o COVID-19 como doença ocupacional?
Para melhor entender esse cenário e ajudar o empresário a compreender que o atual momento é de revisão da gestão das medidas de segurança e saúde no trabalho e de reavaliação dos riscos trabalhistas e previdenciários, principalmente naqueles negócios que permanecem em operação durante o período restritivo do comércio, resumimos as principais notícias do Brasil e do mundo sobre o assunto.
Se você é empresário e entende que a saúde dos seus colaboradores é o tema mais sensível nesse momento de crise, mas sabe que extinguir ou mitigar possíveis danos e responsabilizações no âmbito trabalhista é fundamental para sobrevivência do seu negócio na pós pandemia, o texto a seguir traz uma análise colaborativa, mas não exaustiva, para seguir funcionando com prudência.
As normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o COVID-19
Em 23 de março de 2020, a OIT lançou uma nota com as disposições fundamentais das normas internacionais do trabalho pertinentes ao contexto de surto de coronavírus. O material, organizado no estilo de perguntas e respostas, aborda as dúvidas mais frequentes e brinda, de maneira resumida, opções que podem ser adotadas no mundo laboral.
Dentre os vários temas contemplados, na sessão que se refere a ‘segurança e saúde no trabalho’, a OIT responde a seguinte questão: É possível classificar o COVID-19 como uma doença profissional?
De maneira direta, a posição da OIT é que tanto a enfermidade do COVID-19 como o transtorno de estresse pós-traumático contraídos por exposição no trabalho podem ser considerados doenças profissionais. Nesse sentido, a OIT esclarece que se os trabalhadores sofrem dessas patologias e estejam incapacitados para trabalhar, deveriam ter o direito a uma indenização pecuniária, a assistência médica e a serviços conexos.
Ademais, alerta que os familiares do trabalhador que vier a falecer devem ter direito a receber prestações pecuniárias ou uma indenização, assim como uma prestação funerária.
Como outros países estão tratando o tema?
Revestir (ou não) o novo coronavírus como uma enfermidade profissional não é questão debatida apenas no Brasil. O tema tem sido objeto de discussão em vários países. Espanha, Uruguai, Colômbia e Argentina declararam que a doença produzida pela exposição dos trabalhadores ao novo vírus, durante a realização das suas tarefas laborais, é considerada uma enfermidade laboral.
Sobre esses dois últimos países, consultamos advogadas locais para ajudar a entender melhor o que passa no mundo, senão vejamos:
Na Colômbia, começou-se a estudar a forma de catalogar o COVID-19 como enfermidade profissional após a morte de dois profissionais da saúde que se encontravam em cumprimento de suas obrigações profissionais em dois centros médicos do país (…). Assim, em 12 de abril de 2020, expediu-se o Decreto538, (…). Dentre as medidas adotadas nesse Decreto, o Governo Nacional ordenou eliminar os requisitos de que trata o parágrafo 2 do artigo 4 da Lei 1562 de 2012, para incluir dentro da lista de enfermidades laborais, o COVID-19 como doença profissional direta, referenteaos trabalhadores da saúde, incluindo pessoal administrativo, de limpeza, de vigilância e de apoio que prestem serviços nas diferentes atividade de prevenção,diagnóstico e atenção a essa enfermidade¹.
Por sua vez, na Argentina, seguindo as diretrizes da OIT, em 13 de abril do corrente ano o Poder Executivo Nacional através do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) 367/2020 considerou presuntivamente o COVID-19 como uma enfermidade de caráter profissional (não listada), sendo aplicável apenas aqueles trabalhadores que prestem tarefas essenciais e que, em razão disso, encontrem-se excetuados do isolamento social preventivo e obrigatório. Esta presunção rege durante o período que dure o isolamento, salvo para os trabalhadores da saúde, em que se amplia por 60 dias posteriores à finalização da declaração da ampliação de emergência pública em matéria sanitária, por guardar relação de causalidade direta e imediata com o trabalho exercido2.
Medida Provisória 927
O artigo 29 da Medida provisória nº 927 disciplinava que a contaminação dos empregados com o coronavírusnão seria considerado doença ocupacional, exceto se o empregado comprovasse o nexo causal entre contaminação e o ambiente de trabalho.
O Governo ao editar a MP levou em consideração que a transmissão da covid-19, doença causada pelo coronavírus, já se dá de forma comunitária. Ou seja: não se tem como auferir como a pessoa adquiriu a doença.
Afinal, qual foi a decisão do STF sobre o tema?
No dia 29 de abril, o plenário do Supremo Tribunal Federal reuniu-se por meio de videoconferência para deliberar acerca das medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas, implementadas pela Medida Provisória nº927, como forma de enfrentar as dificuldades impostas pela pandemia gerado pelo coronavírus.
A Medida Provisória, em sua maior parte, foi considerada constitucional tendo em vista as circunstâncias atípicas que estamos experimentando em decorrência do isolamento social. Contudo, O Ministro Alexandre de Moraes abriu divergência com relação ao artigo 29 e foi acompanhado pela maioria, de modo que esse artigo teve sua aplicação suspensa.
Neste sentido, O STF considerou que esse dispositivo afronta a saúde dos trabalhadores que continuam exercendo suas atividades nos serviços essenciais, sendo assim, é inconstitucional.
Ao suspender a aplicação deste artigo, não significa que o STF considerou que a covid-19 será considerada doença ocupacional em todas as circunstâncias.
Deve-se destacar que a lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) prevê, em seu art. 20, I e II, que a doença ocupacional é aquela desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social ou aquela que for adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione.
Portanto, seguindo a definição legal, em algumas circunstâncias a doença covid-19 pode sim ser considerada doença ocupacional. Como exemplo, podemos citar médicos ou enfermeiros que trabalham diretamente no enfrentamento da doença.
Alguns juristas argumentam que o art. 20, “d” da Lei 8.213/91 afastaria a covid-19 como doença ocupacional, já que este artigo disciplina que doenças endêmicas não são consideradas patologias relacionadas diretamente ao trabalho.
Contudo, o conceito de endemia é diferente do conceito de pandemia. Endemia são doenças observadas em certas regiões com frequência, como por exemplo malária e febre amarela registradas na região norte. Pandemia, por sua vez, são doenças que se disseminam em vários continentes.
Em nosso entendimento, não cabe uma interpretação extensiva. Não há como equiparar duas situações distintas. No entanto, não sabemos que tipo de interpretação os juízes e os Tribunais aplicarão futuramente a esses casos. Não há precedentes.
Como resguardar sua empresa?
O momento é de precaução! O caminho mais seguro, prudente e responsável é adotar medidas preventivas. Empresas que adotam boas práticas de segurança no trabalho cumprem com sua função social e zelam pela saúde dos seus empregados. Além disso, tomando essas medidas, há mais chances de provar, em uma eventual demanda judicial, que não agiu com culpa no cuidado do seu empregado.
Entre essas boas práticas deve-se citar a criação de um comitê de crise para determinar as condutas que devem ser tomadas para evitar a contaminação pelo novo vírus no ambiente de trabalho, além de treinamentos e comunicações constantes de como o empregado pode evitar o contágio pelo covid-19.
O Ministério Público do Trabalho editou nota técnica conjunta 02/2020 – PGT/CODEMAT/CONAP indicando condutas para prevenção da covid-19 no ambiente de trabalho. Dentre elas, estão o uso de EPI´s (máscaras e luvas), disponibilização de material de limpeza, como sabão e álcool em gel. Outras medidas importantes apontadas são a intensificação da higiene das superfícies e o distanciamento mínimo entre os empregados e entre estes e os clientes.
Também podem ser adotadas outras estratégias de prevenção, como, por exemplo, o afastamento imediato dos empregados que estejam com suspeita de covid-19, a adoção de rodízio ou a realização de home office pelos empregados do grupo de risco.
Adotando tais medidas, demonstra-se que a empresa não agiu com culpa e dificilmente será responsabilizada pela contaminação de um empregado, pois tomando essas precauções minimiza a transmissão do vírus.
Conclusão
Seguir as boas práticas de segurança no trabalho são medidas que garantem um meio ambiente mais saudável ao trabalhador. É função social da empresa colaborar com o controle da disseminação do vírus e zelar pela saúde de seus empregados.
Caso as medidas sejam descumpridas e futuramente os juízes e Tribunais entendam que se trata de doença ocupacional poderá ensejar várias implicações econômicas, como por exemplo, a majoração da alíquota do FAT, ação regressiva e indenização civil.
Destacamos que o cuidado com o meio ambiente de trabalho é primordial para garantir a saúde dos empregados e o bom andamento das atividades empresariais. Muitas das medidas recomendadas são de fácil implementação e de baixo custo. Arriscar a saúde dos empregados, colaboradores e clientes além de infligir a integridade corporativa, pode gerar danos e responsabilizações na seara laboral.
O texto foi escrito por: Marlla Aquino Mendes e Andressa Bonfim da Costa, com a colaboração das advogadas Diana Marcela Simijaca Ibarra e Rocío Gómez Peña.
¹Colaboração de Diana Marcela Simijaca Ibarra, advogada, graduada da Universidad Libre de Colombia, T.P 161363 C.S de laJ.
²Colaboração de Rocío Gómez Peña, advogada, graduada pela Universidad de Buenos Aires (UBA), T°X F°167 C.A.Q., T°120 F°264 C.A.P.C.F.