27 maio 2019

Você tem interesse em contratar com a Administração Pública, mas tem receio de se frustrar porque dizem que se trata de jogo de cartas marcadas? Então vamos te ajudar a ter noções que podem te direcionar a lograr êxito nessa jornada.

Quando pensamos em contratos celebrados pela Administração Pública, é difícil deixar de visualizar um procedimento com alto formalismo, característico da burocracia estatal e que, muitas vezes, prejudica a própria prestação do serviço, realização da obra, aquisições,  alienações ou concessões, necessários ao alcance do interesse público.

Esse formalismo é, em boa medida, justificável, considerando que a Administração Pública não tem a ampla liberdade de contratar que possuem os particulares, sendo os limites de sua atuação mais restritos e seguindo parâmetros previstos previamente.

O patrimônio é público, razão pela qual os gestores desses recursos devem ter sua atuação limitada pelas normas previstas na Constituição Federal e nas leis que regem a matéria, como forma de garantir que o dinheiro do contribuinte, ou seja, nosso dinheiro,  alcance sua destinação, não favorecendo apenas interesses particulares, em prejuízo do interesse público.

Para essa finalidade, em regra, nas contratações realizadas pela Administração Pública, adota-se o procedimento administrativo denominado de licitação, que tem por objetivo a escolha da proposta que traga maior vantagem não só para a Administração, mas  para o interesse público, dentre as apresentadas pelos interessados em contratar, sempre respeitado o princípio da igualdade e buscando-se o desenvolvimento sustentável do país.  Ou seja, não pode o Poder Público criar discriminação ilegal entre participantes, prejudicando a competição.

A LICITAÇÃO SERVE PARA CONTROLAR A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO.

O procedimento licitatório possui regras rígidas, como forma de controlar a atuação do gestor público, uma vez que os recursos são oriundos de todos nós, contribuintes.

É regida pelos princípios gerais da Administração Pública, como a legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Há ainda os princípios específicos, como a vinculação ao instrumento convocatório e o princípio do julgamento objetivo das propostas apresentadas.

Para respeitar o princípio da Legalidade, o administrador público deve seguir rigorosamente as disposições legais. A lei geral das licitações e dos contratos administrativos no Brasil é a Lei nº 8.666/93. Por se tratar de norma geral, é aplicada a todos os entes da federação, ou seja, União, Estados e Municípios, o que inclui seus fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente por eles.

Tratando de modalidade específica de licitação, a Lei nº 10.520/2002 estabelece as regras para o chamado pregão, que é muito utilizado por servir para a aquisição de bens e serviços comuns, que são aqueles que podem ser objetivamente comparados, sempre sendo as propostas julgadas pelo critério do menor preço.

Mais recente é a lei nº 12.462, de 2011, que institui o chamado Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, tendo sido criado, inicialmente, para regular as contratações necessárias à realização da Copa das Confederações, Copa do Mundo FIFA 2014, Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016.

Posteriormente, foi estendida para diversos outros tipos de ações, como aquelas integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – Lei nº 12.688/2012-, obras e serviços de engenharia no âmbito do SUS  – Lei nº 12.745/2012, obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo, ações no âmbito da segurança pública, melhoria urbana ou ampliação de infraestrutura logística, construção de imóveis para locação pela Administração  – Lei nº 13.190/2015 – e ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação – Lei nº 13.243/2016. Ou seja, o RDC pode ser utilizado em quase qualquer contratação pública, desde que haja interesse da Administração nesse sentido.

Como serve ao controle dos atos da Administração Pública, em reforço à característica da indisponibilidade do patrimônio público, as leis de licitação tentam reduzir ao máximo a liberdade decisória dos gestores, reduzindo a chamada discricionariedade, que é quando o gestor pode atuar amparado em critérios de conveniência e oportunidade.

A licitação tem por objetivo a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração Pública e por consequência para a sociedade. Assim, o administrador público não pode decidir livremente com quem vai contratar, simplesmente porque gosta de tal marca ou porque conhece o dono da empresa ou prestador do serviço, pois violaria a legalidade, a impessoalidade e a própria moralidade.

Os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa estão intimamente ligados.  A moralidade impõe que se aja com boa-fé e lealdade perante os particulares que desejem contratar com a Administração Púbica. Esse princípio operacionaliza a impessoalidade, já que o que se busca é a melhor proposta, não interessando quem vai ofertá-la. Busca-se, com isso, coibir condutas que favoreçam esse ou aquele licitante. Respeitando esses princípios, alcança-se uma licitação justa e vantajosa para a Administração Pública, repercutindo no bem comum.

Por seu turno, o princípio da publicidade exige ampla divulgação do procedimento licitatório. A lógica é que quanto mais pessoas tiverem ciência, maior será a competitividade, aumentando as chances de se ter um contrato mais vantajoso para a Administração Pública.

Além disso, a publicidade permite o exercício da cidadania, tendo em vista que qualquer um de nós poderá saber qual o objeto da licitação, quais os valores e quais contratos serão firmados.

Com o conhecimento dos exatos termos do procedimento licitatório instaurado, é possível o controle efetivo e prévio dos atos administrativos, possibilitando que máculas do procedimento sejam retiradas, como forma de viabilizar uma disputa legítima entre os interessados.

O OBJETO LICITADO NÃO PODE SERVIR COMO INSTRUMENTO DE DIRECIONAMENTO ILÍCITO DO CERTAME. 

A Licitação é composta de duas fases: a interna e a externa. Em síntese, na fase interna, a Administração Pública irá, por meio de procedimentos formais, definir o tipo e a modalidade de licitação que será lançada, bem como deverá definir o objeto a ser contratado.

Quanto à descrição desse objeto, ela não pode ser genérica ao ponto de não identificar as características essenciais que se busca na contratação, tampouco pode ser específica demais. Características demasiadamente genéricas impedem a adoção de critérios objetivos para a comparação entre as propostas apresentadas, o que pode acarretar em contratação desvantajosa para a Administração Pública.

A Lei nº 10.520/2002, que trata da modalidade de licitação pregão, determina que “a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição”.

No mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União editou a súmula nº 177, nos seguintes termos:

“A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.

Ainda no que tange à individualização do objeto licitatório, para obras e serviços exige-se o Projeto Básico, que conforme o art. 6º da lei nº 8.666/93, é o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução”.

O referido projeto básico deverá ser aprovado pela autoridade competente e ser disponibilizado para todos que pretendem participar do procedimento de licitação, para que tenham conhecimento e possam formar e apresentar sua proposta.

Deve existir orçamento detalhado com planilhas que permitam analisar a composição de todos os custos unitários, além de haver previsão de recursos orçamentários previstos com o fim de assegurar o pagamento das obrigações decorrentes do contrato.

Por outro lado, se houver um detalhamento muito grande do produto ou serviço que se pretende adquirir, acaba-se com a disputa ou esta é reduzida de forma prejudicial. Essa situação só pode ser aceita se houver uma justificativa plausível para tal discriminação e que atenda ao interesse público.

O acórdão nº 2.383/2014, do Plenário do Tribunal de Contas da União, delineia de forma clara exemplo de atuação correta da administração pública no detalhamento do objeto a ser licitado, ao estabelecer que em licitações para aquisição de equipamentos, havendo no mercado diversos modelos que atendam completamente as necessidades da Administração, deve o órgão licitante identificar um conjunto representativo desses modelos antes de elaborar as especificações técnicas e a cotação de preços, de modo a evitar o direcionamento do certame para modelo específico e a caracterizar a realização de ampla pesquisa de mercado.

CONCLUSÃO: A ANÁLISE DO EDITAL DA LICITAÇÃO GARANTE A HIGIDEZ DO CERTAME. 

Para garantir que todos os princípios constitucionais e regras legais que tratam do procedimento licitatório sejam respeitados, é importante uma análise detalhada do edital, que instaura a fase externa da licitação.

O edital necessariamente deve trazer alguns anexos: minuta do contrato a ser firmado após o processo de licitação, orçamento estimado com planilhas de quantidades e preços unitários, projeto básico e, caso se aplique, o projeto executivo, as especificações complementares e as normas de execução.

Na hipótese de ser constatada alguma irregularidade no edital é possível realizar sua impugnação. Qualquer cidadão, fazendo uso do seu direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, pode oferecer impugnação ao edital, apresentando o pedido até cinco dias antes data prevista para abertura dos envelopes de habilitação.

Aos licitantes, a lei também assegurou esse direito, contudo, em prazo diverso, qual seja, até dois dias antes da data firmada para abertura dos envelopes de habilitação (modalidade concorrência), dos envelopes da proposta (para as modalidades convite, tomada de preço ou concurso) ou da realização do leilão.

Essa impugnação pode ser realizada administrativamente ou por via judicial. Caso seja realizada administrativamente, nada impede que a Administração Pública, no uso da sua prerrogativa de autotutela corrija a irregularidade.

Deve-se atentar que se estivermos falando da modalidade licitatória chamada Pregão, que é a mais comum atualmente, os prazos são diferenciados. Na modalidade presencial, o prazo é de dois dias úteis da data fixada para o recebimento das propostas. O pregoeiro deve analisar e apresentar sua decisão no prazo de 24 horas. Na modalidade eletrônica, o prazo também é de dois dias úteis antes da abertura da sessão pública.

É importante ficar atento aos termos do edital, para que se garanta uma competição justa, impedindo qualquer tipo de direcionamento ou dificuldade na participação de legítimos interessados, como forma de garantir que a proposta mais vantajosa seja a vitoriosa, o que trará benefícios para a Administração Pública, bem como para o particular que almeja contratar com o Poder Público.

Assim, para evitar direcionamentos indevidos ou as “cartas  marcadas” um bom assessoramento técnico ajuda a evitar esses problemas. A legislação pertinente traz mecanismos para coibir tais irregularidades e vícios, ou seja, são caminhos que o interessado pode seguir, por via administrativa ou judicial, para garantir a higidez do certame.

A análise detalhada do edital e sua impugnação, caso necessário, garantem a competitividade e aplicação dos princípios já citados, o que aumenta as chances de sucesso de uma contratação com a Administração Pública.